terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ninguém pediu uma Taxa de Refrigerador

A industria do gelo
se tornou obsoleta também.
Texto de Rick Falkvinge.

Eu moro em Estocolmo, na Suécia. Há cem anos atrás, um dos maiores empregadores da cidade era uma empresa chamada Gelo Stockholm. Seu negócio era simples, assim como necessário: Ajudar a manter os alimentos perecíveis comestíveis por mais tempo, distribuindo frio em um formato portátil.


Eles cortavam grandes blocos de gelo dos lagos congelados no inverno, armazenavam-os em serragem dentro de celeiros enormes, então cortavam os blocos em pedaços menores para vender nas ruas. As pessoas compravam gelo e mantinham-no com alimentos em armários especiais, de modo que a comida estaria em um câmara fria.

(É por isso que algumas pessoas mais velhas ainda se referem a refrigeradores como "geladeiras").

Quando as casas em Estocolmo receberam energia elétrica na primeira metade do século passado, esses distribuidores de frio se tornaram obsoletos. Afinal, eles distribuíam a capacidade de manter a comida fria, e todas as pessoas subitamente podiam fazer isso elas mesmas.

Este foi um processo bastante rápido nas cidades. Com a disponibilidade do refrigerador desde meados de 1920, a maioria dos domicílios já tinham o seu próprio refrigerador no final da década de 1930. Um dos maiores empregadores da cidade — os distribuidores de frio — se tornou totalmente obsoleto devido ao desenvolvimento técnico.

Havia muitas tragédias pessoais nesta época como o caso do Homen do Gelo que perdeu sua capacidade de sustentar a sua família e precisava aprender um novo ofício para conseguir novos empregos em um campo completamente novo. A profissão de "homem do gelo" era muitas vezes difícil no começo, e vendo a indústria se desintegrar em tempo real não tornou isso mais fácil.

Mas aqui estão algumas coisas que não aconteceram quando a indústria de distribuição de gelo se tornou obsoleta:

Nenhum proprietário de refrigerador foi processado por fazer seu próprio frio e ignorar as cadeias de distribuições corporativas de frio existentes.

Nenhuma lei foi proposta para fazer que as companhias de eletricidade sejam responsabilizadas no tribunal, se a eletricidade que forneciam fosse usada em uma maneira que destruísse com os empregos dos homens do gelo.

Ninguém exigiu uma taxa mensal de refrigerador dos proprietários destes destinada a Liga dos Homens do Gelo.

Nenhum painel caríssimo de especialistas foi realizado no total consenso sobre como o homem do gelo era necessário para toda a economia.

Pelo contrário, o monopólio de distribuição tornou-se obsoleto, foi ignorado, e, a economia como um todo se beneficiou pela resultante descentralização.

Estamos vendo agora uma repetição deste cenário, mas onde a indústria de distribuição — a indústria do copyright — tem a audácia de se levantar e exigir leis especiais e dizer que a economia entrará em colapso sem os seus serviços desnecessários. Mas nós aprendemos com a história, sempre, que é bom quando uma indústria se torna obsoleta.Isso significa que aprendemos algo importante — a fazer as coisas de uma maneira mais eficiente. Novas habilidades e ofícios sempre surgem na rabeira disso.

A indústria dos direitos autorais nos diz, de novo e de novo e de novo, que se ela não tiver seu monopólio de distribuição obsoleto consagrado em lei, com cada vez maiores penalidades para quem ignorá-lo, nenhuma cultura será produzida. Como vimos, da mesma forma, isso é bobagem.

O que pode ser verdade é que a indústria dos direitos autorais não poderia produzir música com uma melodia de um milhão de dólares por faixa. Mas você não pode motivar a legislação de monopólio com base em seus custos, quando os outros estão fazendo a mesma coisa por muito menos — praticamente zero. Nunca houve tanta música disponível como agora, apenas porque todos nós amamos criar. Não é algo que fazemos por causa do dinheiro, é por razão de sermos quem nós somos. Nós sempre criamos.

E sobre filmes, então? Produções de centenas de milhões? Há exemplos de produção de filmes de garagem (e um deles superou Casablanca se tornando o filme mais visto de todos os tempos em seu país natal). Mas pode ser verdade que o argumento é um pouco mais forte com as produções de cinema tipo blockbuster.

Eu vou arriscar dizer que, mesmo sendo verdade que os filmes não podem ser feitos da mesma maneira com a Internet e com a existência de nossas liberdades civis, então talvez isso seja apenas a progressão natural da cultura.

Eu gasto um bocado de tempo com adolescentes através do meu trabalho com o Partido Pirata. Uma coisa que me impressiona é que eles não assistem a filmes, pelo menos na quantidade que eu assisti quando era adolescente. Assim como eu joguei fora o meu televisor 15 anos atrás, talvez esta seja apenas a progressão natural da cultura. Ninguém ficaria surpreso se nós nos mudarmos de uma cultura estilo monólogo para uma cultura do tipo diálogo-e-conversação nesse momento da história.

Afinal, nós já tivemos operetas, balés e concertos como os pontos altos da cultura no passado. Mesmo novelas no rádio (e algumas famosas ).Ninguém está particularmente preocupado que essas expressões tiveram o seu pico e que a sociedade tenha mudado para novas expressões de cultura. Não há nenhum valor inerente em inscrever na lei as forma atuais de cultura e impedir que haja as mudanças que sempre tivemos.

Todo lugar que olho, vejo que os monopólios dos direitos autorais precisam cair por terra para permitir que a sociedade supere a situação atual de estrangulamento de cultura e conhecimento. Os adolescentes de hoje normalmente nem sequer veem o problema — eles levam o compartilhamento no mundo conectado de modo totalmente adimitido, descartando qualquer sinais do contrário como provenientes do "velho mundo sem sentido".

E eles certamente não pedem uma taxa de refrigerador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário